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A frase é de Fabien Cousteau, que teve as honras de abertura da GLEX Summit 2024. O aquanauta francês prometeu a primeira “estação espacial” para 2026, mas essa foi apenas uma das muitas surpresas que a elite da exploração mundial revelou na cidade de Angra do Heroísmo. Um americano falou como evoluiu do pânico para a investigação das abelhas, o degelo e os plásticos e o degelo dos oceanos foram outro dos temas falados na cimeira, bem como a visita à ilha, em 2025, da expedição “Darwin200”, ou as incríveis estórias de um ucraniano e de um iraniano, ou a amizade improvável entre uma israelita e um palestiniano. A discussão sobre o poder e o futuro da exploração, desde o fundo dos oceanos até às novas missões espaciais continua amanhã. O almirante Henrique Gouveia e Melo, Chefe do Estado-Maior da Armada, encerra a cimeira.

Desde domingo, que mais de uma centena dos mais reputados exploradores, cientistas e astronautas estão, em Portugal, para discutir a importância e o futuro da exploração e quatro dezenas deles (de 18 nacionalidades) estão mesmo a partilhar as suas experiências e descobertas como oradores da quinta edição da GLEX Summit.

Cousteau anunciou uma “estação espacial” submarina para 2026

O dia de abertura da cimeira começou com a sessão “Stargazers & Trailblazers”.

Fabien Cousteau recordou a importância dos oceanos e dos ecossistemas naturais da Terra. “Este Planeta não devia chamar-se Planeta Terra nem Planeta Oceano, devia chamar-se Planeta Oásis. Aqui, temos tudo o que precisamos. É por isso que hoje, mais do que nunca, precisamos de cuidar do nosso Planeta e de toda a vida que o habita”.

Mas o neto do famoso explorador francês Jacques Cousteau apresentou, ainda, o Proteus. Uma “estação espacial” submarina que vai explorar os mistérios do oceano, a mais de 18 metros de profundidade, no mar das Caraíbas. A instalação com uma dimensão de 370 metros quadrados, vista pelos criadores como uma versão aquática da Estação Espacial Internacional, será habitada por cientistas e investigadores de todo o mundo. A ideia nasceu em 2014, durante a “Mission-31”, em que Fabien Cousteau viveu

31 dias a bordo do submarino Aquarius, acompanhado por cinco aquanautas. A experiência, que rendeu o equivalente a três anos de exploração marinha, inspirou a ideia do Proteus, que o explorador espera tornar uma realidade dentro de dois anos.

Do pânico à paixão pelas abelhas

Aos seis anos, Sammy Ramsey vivia aterrorizado por insetos, ao ponto de não sair da sala de aula durante o intervalo, na escola. Os seus pais foram então chamados pela professora, que alertou para a situação, explicando que a criança não saía porque tinha medo de insetos. À noite, o pai de Sammy fingia matar insetos “invisíveis” para acalmar o filho e ajudá-lo a adormecer, pois este dizia que via insetos no quarto e à volta da cama. Levaram-no então até à biblioteca local, até à área de entomologia, e explicaram-lhe que as pessoas têm medo e não gostam do que não conhecem, e que se ele começasse a estudar insetos, provavelmente iria gostar deles. Foi o que aconteceu; aos 7 anos Sammy Ramsey já dizia que queria ser entomologista, passado apenas um ano de dizer que tinha fobia dos mesmos. Anos depois, seria rejeitado no programa de doutoramento, mas um laboratório que estudava abelhas aceitou-o, por isso, ele decidiu tornar-se um investigador de abelhas e de todas as suas incríveis particularidades. Descobriu então a sua maior ameaça: o “varroa destructor”, um parasita que agora estuda e que ajuda a combater.

A ameaça dos plásticos dos oceanos e a importância das rochas dos vulcões

Já a bióloga italiana, Martina Capriotti, reforçou a ideia de que os plásticos são, efetivamente, uma das maiores ameaças dos oceanos: “Os microplásticos não estão apenas a ameaçar os ecossistemas marinhos, como também interferem com o nosso sistema endócrino”.

A vulcanóloga, Jess Phoenix, destacou: “cada rocha de um vulcão é uma viagem no tempo. Guarda parte da História da Humanidade e é importante estudar cada uma delas para compreender o nosso passado”. A americana lembrou a plateia, cheia de cientistas e exploradores, que é cada vez mais importante aprender a contar histórias, para envolver as gerações futuras de exploradores e o público comum sobre a magia da natureza e a importância de estudá-la, nomeadamente os fascinantes vulcões.

A expedição “Darwin200” vai terminar na ilha da Terceira em 2025

Quase 200 anos depois de Charles Darwin ter feito a volta ao mundo com várias descobertas para a história natural, 200 jovens naturalistas estão a recriar o percurso para promover a proteção da natureza. Stewart McPherson, fundador da expedição “Darwin200”, veio à GLEX Summit recordar que a incrível viagem que deu origem à controversa obra ‘A Origem das Espécies’, “também passou pela ilha da Terceira, em 1836 e será aqui que, no dia 13 de junho do próximo ano, terminará a ‘Darwin200’.

Com 90 anos, a famosa primatologista, etóloga e antropóloga britânica, Jane van Lawick- Goodall, é uma das apoiantes da iniciativa.

O alerta para o degelo na Antártida

Em 2023, considerada pela Time como uma das 100 pessoas mais influentes do planeta, a astrobiologista e oceanógrafa polar, Britney Schmidt falou sobre a importância da conservação da Antártida, numa altura em que as alterações climáticas ameaçam cada vez mais o planeta, e justamente esta região, e como os robots podem ajudar a explorar e compreender o que se está a passar. “A Humanidade devia estar realmente preocupada com o todo o gelo que estamos a perder na Antártida e com as mudanças que devíamos fazer para impedir que isso continue”, alertou.

As estórias inspiradoras de um ucraniano e de um iraniano

A segunda sessão do dia, “From the Front Lines” deu a voz a exploradores que, em situações de conflito, superaram todas as expectativas dando seguimento à sua investigação e aos seus objetivos.

Morad Tahbaz é um ambientalista e cidadão dos Estados Unidos, do Reino Unido e do Irão. A paixão de Tahbaz pela vida selvagem e pela natureza começou na sua juventude. Como cofundador da Persian Wildlife Heritage Foundation (PWHF), uma organização que fazia doações a grupos de conservação internacionais, ele e oito dos seus colegas foram detidos, em janeiro de 2018. As armadilhas fotográficas que montaram para monitorizar espécies ameaçadas de extinção, como o leopardo persa e a chita asiática, foram consideradas como sendo de espionagem pelo Corpo de Guardas da Revolução Islâmica do Irão (IRGC). “Fui preso no aeroporto, sem explicações, e fui colocado numa solitária durante anos”. Pelo seu legado para a ciência e pelos tempos difíceis que passou, recebeu uma ovação, de pé, da plateia, no final da sua palestra.

Com o início da Guerra Russo-Ucraniana, em 2022, o ativista cultural, etnólogo, museólogo e curador de arte ucraniano, Ihor Poshyvailo, assumiu a coordenação da Iniciativa de Resposta de Emergência ao Património (HERI) e tornou-se membro do Conselho Nacional para a Reconstrução da Ucrânia após o fim da guerra. Ao longo do conflito tem prestado apoio no terreno a instituições culturais e a milhares de pessoas, tem realizado trabalho de campo para documentar os danos causados ao património cultural, tem recolhido objetos e estórias. Na GLEX Summit 2024, apresentou várias fotos de património histórico-cultural ucraniano que tem sido destruído pela guerra e destacou uma declaração de Joe Biden: “o objetivo de Vladimir Putin é eliminar, totalmente, a História e a cultura ucraniana”.

Uma amizade improvável entre uma israelita e um palestiniano

Kim Passy-Youseph, israelita nascida em Tel Aviv, é responsável de uma empresa que se dedica a viagens socialmente conscientes e responsáveis. É amiga e trabalha com o palestianiano Aziz Abu Sarah, um ativista da paz, jornalista, empresário social e político. Uma amiga de Kim foi capturada e mantida refém do Hamas, a 7 de outubro de 2023. Amiga de Aziz e de outros palestianianos, e mãe de dois filhos com 2 e 5 anos, na altura refletiu sobre a sua amizade e trabalho com Aziz – mas rapidamente percebeu, também graças à ingenuidade dos seus filhos, que adoram Aziz, “que o caminho é a paz e não o ódio”. Já Aziz Abu Sarah alertou para “o perigo da indiferença, dos governos e do público, que não ajuda na solução do conflito”.

O dia terminou com uma sessão especial com a SOE’24 – Space, Ocean and Earth Insights, promovida pela INESC TEC, tendo como tema “Women in Exploration: Breaking Boundaries”.

Apesar de ser especialista em diferentes matérias espaciais, Yvette Gonzalez partilhou, na GLEX Summit, a sua experiência em missões humanitárias: no Congo, o que mais a impressionou foi conhecer uma criança soldado e perceber a permeabilidade do ser humano e a forma como as crianças são afetadas pelos conflitos mundiais.

Nicole Mann, astronauta da NASA e a primeira mulher nativo-americana no espaço destacou: “Estou ansiosa por saber mais sobre primeira missão análoga, realizada na gruta do Natal, na Terceira, Açores. Sou a primeira mulher nativo-americana a viajar até ao espaço, e acredito que as mulheres vão liderar os próximos tempos da exploração espacial. Quero dizer às gerações mais novas de mulheres que precisam de continuar a sonhar, e a sonhar em grande”.

Beatriz Flamini, atleta e montanhista extrema, confessou: “Em 2014, vivia uma vida convencional, em casal, mas não era feliz. Decidi mudar-me para as montanhas e viver sozinha, na minha carrinha. Foi assim durante dois anos, até decidir viajar pela Mongólia, em 2016”. Quando tomou a decisão de viver 500 dias fechada numa gruta, decidiu as regras do jogo: “não haver contacto humano de qualquer espécie, nem computador, telemóvel, tablets, espelho, calendário, relógio, nem notícias do exterior”. Depois da experiência, a sua visão melhorou em 100% e a prova disso é que quando renovou a sua carta, conseguia ler até a última linha, mais pequena. Neste momento, sente que não pertence a este mundo exterior, ainda está em processo de adaptação.

Tess Caswell, chefe de testes de operações de EVA de exploração da NASA, sublinhou a importância das missões análogas como a realizada na ilha da Terceira: É a única forma de nos prepararmos para desafios como o regresso à Lua”.

Sabrina Thompson, engenheira aeroespacial, recordou o episódio que a despertou para o mais recente desafio: “Estava em Amesterdão, em plena pandemia, e totalmente em baixo sem saber o que fazer. Aquela criança criativa voltou e eu soube que o que queria era criar fatos de astronauta para as mulheres. Qualquer mulher astronauta dirá que os fatos de astronauta, que foram criados a pensar em homens, não são os ideais para mulheres. São um problema para as mulheres, por exemplo, para irem à casa-de- banho. Queremos inclusão e diversidade. É assim que conseguimos, criando soluções ideais para todos”.

Kirstin Schulz, investigadora polar com experiência em oceanografia física, foi uma das líderes da equipa de oceanografia na inovadora expedição MOSAiC, o maior esforço de investigação no Ártico até à data. A sua investigação centra-se nas interações intrincadas no sistema terrestre acoplado, particularmente nos fiordes da Gronelândia e no alto Oceano Ártico e, na GLEX Summit, falou sobre as suas experiências no Ártico, as espécies de animais que encontrou e os desafios da exploração polar.

Fatma Kaplan, uma empresária e cientista de sucesso com experiência em biologia e química, descobriu a primeira feromona sexual do nemátodo Caenorhabditis elegans e publicou-a na Nature em 2008. Depois, descobriu que as feromonas regulam outros comportamentos em nemátodos parasitas e benéficos. Essas descobertas, bem como a realização da primeira experiência de biocontrolo agrícola no Espaço, na Estação Espacial Internacional, em 2020, foram destacadas em Angra do Heroísmo.

Ana Pires, investigadora do INESC TEC e Comandante da missão CAMões, destacou: “Como Luís Vaz de Camões, o escritor e poeta que escreveu as conquistas dos Descobrimentos portugueses, este é um projeto que vai revolucionar a exploração lunar. Conseguimos, encontrando na gruta do Natal, na ilha Terceira, um ambiente semelhante com o da Lua, levar a cabo uma missão análoga que nos ensinou tanto. A gruta falou connosco, contou-nos as suas histórias. Vamos publicar todos os resultados desta missão num livro exclusivamente dedicado à missão CAMões, que é de extrema importância para a comunidade científica e que, por isso, todos devem ter acesso”.

A “Davos” da exploração prossegue amanhã

Amanhã (quarta-feira), o Centro Cultural e de Congressos de Angra do Heroísmo acolhe o segundo e derradeiro dia da GLEX Summit 2024. Com início às 9h30, o painel “Infinite Horizons” vai focar-se nas formas mais ambiciosas e inovadoras de exploração, bem como abordar o projeto TITAN e a expedição “Darwin200”, para além de discutir o impacto de eventos trágicos, como a implosão do submersível TITAN, e como essas lições são aplicadas para futuras explorações.

Os segredos da natureza e as origens da humanidade dão o mote à segunda sessão do dia, com um painel designado “Beyond the Veil”. Lvcas Fiat, designer naturalista, vai discutir a beleza e complexidade do design na natureza, enquanto Juan Pablo Culasso, engenheiro bioacústico, vai falar sobre a importância do som na identificação de espécies e conservação. Justin Fornal, explorador e maratonista aquático, vai partilhar as suas experiências em expedições extremas, enquanto Lee Berger, paleoantropólogo, vai discutir as mais recentes descobertas sobre as origens humanas.

“The Magic of Exploration”, a derradeira sessão da GLEX Summit 2024 é dedicada à magia da exploração e aos encantos da natureza. Brendan Hall, documentarista, vai debater a narração de histórias através do cinema. Karim Ilya, fotógrafo e realizador, vai falar sobre a documentação de espécies em risco de extinção. Rebecca Hui, designer e fundadora do Roots Studio, vai discutir como o design pode preservar culturas indígenas, ao passo que Joe Rohde, conhecido arquiteto e designer da Disney, vai partilhar a sua visão sobre a criação de mundos imaginários baseados na exploração.

A cerimónia de encerramento será conduzida pelo Almirante Gouveia e Melo, Chefe do Estado-Maior da Armada, encerrando oficialmente a GLEX Summit 2024.

A GLEX Summit é organizada pela portuguesa Expanding, com a chancela e a curadoria do nova-iorquino The Explorers Club, garantindo uma cimeira de nível internacional.