A maior cimeira de exploração do planeta começou este sábado, no Porto. A cidade recebeu, pela primeira vez, a GLEX Ignition, evento que abriu a quinta edição da Global Exploration Summit (GLEX Summit), que prossegue em Angra do Heroísmo, nos Açores. Dezenas de exploradores e astronautas discutiram a nova era de exploração do Espaço, que incluirá um material bem português: a cortiça.
A Alfândega do Porto, na cidade que viu nascer o Infante D. Henrique, recebeu, pela primeira vez, o evento de lançamento da Global Exploration Summit (GLEX Summit), reunindo a grande maioria dos 40 exploradores, cientistas e astronautas que participam na edição de 2024 da GLEX Summit – muitos deles, autênticas lendas vivas das suas áreas.
Num dia dividido em diferentes sessões, a intervenção de abertura esteve a cargo do Secretário de Estado Adjunto e da Defesa Nacional, Álvaro Castelo Branco. O primeiro painel, moderado por Ricardo Conde (da Agência Espacial Portuguesa) e intitulado “Living in Space: From Space Stations to Deep Space”, abordou a evolução das estações espaciais e o seu papel na preparação de missões espaciais de longa duração, assim como as implicações sociais de estabelecer habitats humanos sustentáveis para além do planeta Terra. Michael López-Alegria, veterano astronauta e vice-presidente da Axiom Space, começou por responder a uma questão básica: qual é a sensação de estar dentro de um foguetão espacial nos primeiros segundos do lançamento? “Quando estamos presos a um foguetão, há 10.000 coisas que podem ocorrer… e só uma é boa (risos). Estamos muito concentrados na nossa função, mas quanto mais viajo para o Espaço, mais consigo apreciar e desfrutar da experiência. Uma das grandes sensações é a incrível aceleração, que parece nunca acabar, até chegarmos à velocidade de 8 quilómetros por segundo”, explicou o astronauta norte-americano, nascido em Espanha. O objetivo da Axiom Space, de López-Alegria, é “construir a primeira estação espacial comercial, até 2028. A Estação Espacial Internacional (ISS) vai ser descontinuada (em 2031, ndr) e não há vontade expressa por parte das entidades governamentais de construir uma nova estação. A Axiom já lançou três missões para o Espaço, a última em janeiro. O nosso objetivo é usar a ISS como base para construir um módulo que depois será independente.”
A importância da cortiça na indústria aeroespacial
Para essa e outras missões espaciais, há um material com propriedades únicas para indústria aeroespacial: a cortiça. António Amorim, CEO da Corticeira Amorim, explicou que “a nossa cortiça é usada pela NASA há várias décadas e temos uma empresa no Wisconsin (EUA) para as aplicações da cortiça na indústria aeroespacial. Mais de 50% do volume da cortiça é ar. É um material único, criado na Natureza, com propriedades fantásticas de isolamento acústico, térmico, de flexibilidade e de resistência. Desde a década de 1960 que a cortiça é usada em várias missões espaciais, é um dos raros materiais que resiste a estas condições. Atualmente a SpaceX é um dos nossos maiores clientes e estamos a trabalhar com a Blue Origin, com a Beyond Gravity, etc.”, referiu o CEO da Corticeira Amorim.
O regresso à Lua, o objetivo de ir a Marte… e mais além
O painel “Returning to the Moon and Beyond: Exploration in the next Decade” abordou a importância do regresso à Lua, os objetivos para a próxima década lunar, os desafios e os riscos envolvidos, assim como o papel da inovação, tecnologia e empreendedorismo no avanço da indústria espacial. Paul Wizikowski, da NASA, explicou como o programa Artemis pretende voltar a colocar seres humanos na Lua, incluindo a primeira mulher, até 2026. “Há 50 anos que sonhamos com o regresso à Lua. É uma missão. E as histórias, principalmente aquelas que têm um significado profundo para a humanidade, são a melhor forma de ligarmos o sonho à ação”, defendeu Wizikowski.
Um ser humano em Marte nos próximos 20 a 25 anos
Jason Hatton, da Agência Espacial Europeia, abordou especificamente o projeto de colocar um ser-humano em Marte. “Acredito que isso será possível dentro dos próximos 20 a 25 anos”, afirmou, reforçando a importância da colaboração de diferentes organismos e empresas do setor aeroespacial.
Ainda mais ambicioso é o projeto de transportar e colocar um veículo robotizado em Europa, uma das 78 luas de Júpiter, com o objetivo de perfurar e estudar a sua superfície, que é coberta por uma camada de 100 quilómetros de gelo! Britney Schmidt, eleita em 2023 pela revista Time como uma das 100 pessoas mais influentes do mundo, é uma das cientistas da NASA envolvidas no projeto, que tem feito testes de perfuração na Antártida. “Um dos objetivos do projeto é estudar a composição química do gelo em Europa. Estes ambientes extremos são extraordinariamente exigentes para a viabilidade dos materiais e do equipamento, mas são também ‘cápsulas do tempo’ perfeitas. São registos imaculados do que aconteceu no passado e, como tal, de extraordinário interesse científico”, apontou a astrobióloga norte-americana.
A nova era do turismo espacial foi o mote do painel “Celebrating Space Dreams: Conversations with Suborbital Pioneers”, que teve a presença de Sara Sabry (Egipto) e Mário Ferreira (Portugal), os pioneiros dos respetivos países em viagens até ao Espaço, na missão Blue Origin NS-22.
“Exploração não é apenas ir onde nunca ninguém foi – é também ser o primeiro a compreender o passado”
João Rui Ferreira, o Secretário de Estado da Economia, abriu a sessão da tarde, onde o paleoantropólogo Lee Berger revelou pormenores sobre a fascinante descoberta, na África do Sul, de vestígios de uma espécie até então desconhecida de pré-humanos, com mais de dois milhões de anos. Foram encontrados tantos vestígios dessa espécie numa câmara subterrânea em Dinaledi que se concluiu que esse era um local de depósito mortuário, um ritual que se pensava ser exclusivamente humano. Seguiram-se evidências de pedras em forma de instrumentos e até do uso de fogo, geradas por uma espécie do tamanho de um chimpanzé, muito anterior aos neandertais. “Exploração não é apenas ir onde nunca ninguém foi – é também ser o primeiro a compreender o passado”, sustentou Lee Berger.
Para encerrar em beleza a GLEX Ignition, a Alfândega do Porto também foi palco da gravação ao vivo do famoso podcast da BBC “The Infinite Monkey Cage”, apresentado pelo comediante Robin Ince e pelo físico Brian Cox, que tiveram como convidados especiais Mike Massimino (ex-astronauta da NASA, autor bestseller, professor universitário e personalidade televisiva), Jess Phoenix (vulcanologista, especialista em riscos naturais e fundadora de uma organização sem fins lucrativos) e Britney Schmidt (da NASA).
Ilha Terceira no centro da GLEX Summit
Depois do Porto, a “nata” da exploração mundial viaja, pelo segundo ano consecutivo, para a ilha da Terceira, onde nos dias 18 e 19 de junho continuam as palestras sobre as mais emocionantes descobertas de alguns dos mais influentes exploradores e astronautas do planeta, no Centro Cultural e de Congressos de Angra do Heroísmo.